20 de fevereiro de 2009

Trecho de A Insustentável Leveza do Ser - Milan Kundera

Se eu fosse dar uma nota para o livro, daria 5.
Eu sei que muitas pessoas gostam desse livro, a filosofia da leveza - liberdade - peso - realidade. O que eu não gostei no livro foi a parte do romance, achei enfadonha, e quase desisti por isso. Não é um livro ruim, apenas esse modelo de usar romance para explicar a filosofia não serve para mim.
Porém achei interessante esse trecho que passarei agora, interessante porque me identifiquei com ele:

"Tenho sempre diante dos olhos Tereza sentada num tronco, acarinhando a cabeça de Karenin e pensando na falência da humanidade. Ao mesmo tempo, surge para mim uma outra imagem: Nietzsche está saindo de um hotel em Turim. Vê diante de si um cavalo e um cocheiro lhe dando chicotadas. Nietzsche se aproxima do cavalo, abraça-lhe o pescoço sob o olhar do cocheiro e explode em soluços.
Isso aconteceu em 1889 e Nietzsche já estava, também ele, distanciando dos homens. Em outras palavras:foi precisamente nesse momento que se declarou sua doença mental.
Mas para mim, é justamente isso que confere ao gesto seu sentido profundo. Nietzsche veio pedir ao cavalo perdão por Descartes. Sua loucura (portanto, seu divórcio com a humanidade)começa no instante que ele chora pelo cavalo.
É esse Nietzsche que amo, da mesma maneira que amo Tereza, acarinhando em seus joelhos a cabeça de um cachorro. Vejo-os lado a lado: os dois se afastam do caminho da humanidade,' proprietária e senhor da natureza', prossegue sua marcha adiante."
(Kundera, Milan, A Insustentável Leveza do Ser, 1982, Compania das Letras, pg.326)

Explico a parte de Descartes: "Descartes foi mais longe: fez do homem "' le maître et le possesseur de la nature'. E há com certeza uma lógica profunda no fato de que seja precisamente ele quem nega que os animais tenham alma. O homem é o proprietário e senhor enquanto o animal, diz Descartes, não passa de um autômato, uma máquina animada, uma 'machina animata'. Quando um animal geme, não é uma queixa, é apenas o ranger de um mecanismo que funciona mal. Quando a roda de uma charrete range, não quer dizer que a charrete sofra, mas que ela não está lubrificada. Devemos interpretar da mesma forma as queixas do animal e não lamentar o destino de um cachorro que é dissecado vivo num laboratório".
(Kundera, Milan, A Insustentável Leveza do Ser, 1982, Compania das Letras, pg.324)

Que me desculpe Descartes, mas pensar assim é ser um tremendo imbecil! A verdade é que o homem tem que justificar suas atrocidades, pois é um ser que para seu "desenvolvimento" passa por cima de qualquer coisa, inclusive outros animais e do próprio ser humano.
Não é possível que Descartes pensasse que um animal ao ser dissecado vivo não sentisse dor e não tivesse consciência dessa dor. Para ele, animais não tem "alma" como nós seres humanos, mas por isso é justificável a tortura?
(Óbvio, esse é um debate superficial, mas dá para entender a idéia).
Por isso, assim como Nietzsche, eu abraçaria o cavalo e choraria igualmente, portanto se isso é um gesto de romper com a humanidade, considere que já rompi faz tempo, espero agora que seja declarada minha insanidade mental.

Falando em insanidade, bom carnaval para todos e se cuidem!!

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